domingo, 12 de abril de 2009

Desculpem lá.

Não tenho idade nem feitio para dar conselhos às gerações mais novas. Mas, se me pedissem que apontasse uma opção de vida que não recomendo a ninguém, sei o que dizia. Dizia: Evitem a todo o custo a sinceridade.
Digo isto com intenso conhecimento de causa. Não há nada que me tenha trazido tantos dissabores como ser sincero. E não conheço nenhuma pessoa que deva grandes alegrias à sua sinceridade. A sinceridade é, sem excepção quase nenhuma, um elemento negativo na nossa relação com os outros. Uma coisa destrutiva, desgastante, violenta, desnecessária, desagradável e estúpida. Não me interpretem mal: eu sou sincero, cultivo a sinceridade, não pretendo desistir dela nem com um pelotão de fuzilamento. Mas estou consciente de que a sinceridade me estragou a vida.
Tenho uma repugnância quase bíblica pela mentira dolosa. Mas a sinceridade é outro assunto: não se trata apenas de não mentir, mas de evitar actos afins: a omissão, a duplicidade, a reserva mental. Ser sincero é manifestar por actos e palavras aquilo que efectivamente pensamos e sentimos. E eu estava convencido da absoluta necessidade moral desse comportamento.
Não sendo (totalmente) lunático, sabia que a sinceridade não se aplicava a estranhos ou a simples conhecidos. Mas aos mais próximos, decidi, eu não esconderia nada. Desde então, nunca escondi o que penso e sinto às pessoas de quem sou íntimo ou chegado. Nunca fugi ao assunto, nunca inventei álibis, nunca engendrei enganos edificantes. Cumpri escrupulosamente essa minha opção de apóstolo juvenil.
O resultado, como imaginam, foi catastrófico. As pessoas entendem tudo mal, aumentam tudo, mistificam, ficam magoadas e zangadas, detectam invejas e conspirações, insultam e espalham boatos, cortam relações, mudam de passeio. A minha monomania fez com que eu tenha menos amigos do que um xadrezista ucraniano esquizofrénico que viva exilado nos bosques. A amizade segundo tenho ouvido, consiste em dizer que os nossos amigos têm sempre razão, estão sempre certos, que gostámos de tudo o que eles disseram ou de como se comportaram. E no amor, nem digam nada, no amor a sinceridade é tida por toda a gente de sucesso como uma infantilidade ou um cancro. O que importa é a publicidade, a ocultação, a propaganda. A sinceridade, acima de um certo grau (escasso), significa mostrarmos totalmente quem somos, as nossas fragilidades e defeitos, a nossa nudez quase metafísica. E isso, segundo autoridades de reconhecida experiência, não é coisa admissível. Eu aliás não desminto o realismo desses sábios. Reconheço que a sinceridade não traz felicidade a ninguém. Perdes os teus melhores amigos se fores sincero. Perdes a pessoa que amas se fores sincero.
Por isso digo que não tenho idade nem feitio para dar conselhos às gerações mais novas, mas que se tivesse sei o que dizia.
Dizia: Evitem a sinceridade. A sinceridade faz mal à saúde. A sinceridade mata.
Eu é que já não mudo. Porque não posso e porque não quero.
Desculpem lá.

"Contra a sinceridade"
Pedro Mexia in "Nada de melancolia"

2 comentários:

Taty disse...

Desculpa lá mas não concordo! Se pela tua sinceridade o pseudo amor/amigo fugiu, então não o era de verdade! Melhor assim do que estarmos rodeados de falsidade, pessoas com vida dupla e duas línguas.

A sinceridade, a verdade, a clareza e a transparência são dos valores mais dignos do mundo! Infelizmente têm-se perdido ao longo dos tempos pois vivemos numa sociedade de pensamento "humanista", egocentrica, que tem medo que se lhe descubram as fraquezas, contudo eles não deixam de ser dignos, valorosos! O sol não deixa de ser o sol, apenas por ter nuvens à frente. Encontrar estas qualidades hoje em dia é uma raridade e uma benção! Se queremos mudar o mundo, temos de começar por nós mesmos e isso também cabe aqui.

Quem disse que fazer o que é certo nos traria alegria imediata?
Não nos podemos deixar levar pela "onda" que falta com a verdade e parece que não lhe acontece nada. Grande mentira esta. Não nos podemos iludir, todos os nossos actos bons/maus têm as suas respectivas consequências mais tarde ou mais cedo e nas mais diversas áreas.

Bom, teria muito mais para dicertar acerca da sinceridade, mas não cabe neste espacinho e não te quero maçar.

Beijokas amoraaa***

--- avião de papel --- disse...

olá! encontrei o teu blog e achei este texto genial, não porque concorde, mas é tão verdadeiro em certa parte..
mas nada substitui sinceridade: nem aquele nó que deixa de existir quando somos transparentes a nós mesmos.

(gosto do teu blog!*)